Criado em 2013, o tour “Paraisópolis Das Artes” mostra o que
a comunidade tem de melhor: uma efervescência cultural de tirar o chapéu
Vista de Paraisópolis da casa do artista Estevão. |
Sobrevida essa
que a comunidade deseja extinguir, aos poucos, do imaginário popular e mostrar
que existe, sim, vida em Paraisópolis. Foi pensando nisso que, em 2013, foi
criado o Paraisópolis Das Artes, o primeiro tour em uma favela de
São Paulo. Ao longo de duas horas, os visitantes embarcam em um passeio
pelos principais pontos culturais de uma das maiores comunidades de São Paulo -
de acordo com dados oficiais da prefeitura de São Paulo, Paraisópolis conta
atualmente com 55.590 habitantes.
Além de prover
visibildade aos artistas e projetos culturais locais, o tour tenta mudar
a correlação que a sociedade faz de favela com a violência, como explica
Francisca Rodrigues, uma das cuidadoras do Paraisópolis Das Artes e do jornal da
comunidade, Jornal do Povo.
O ponto de
partida é a Sede da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis, no
coração comercial do bairro da zona sul, onde a produção do Jornal do Povo
e da rádio Comunitária Nova Paraisópolis FM acontecem. Esses
veículos fazem um breve panorama geral da comunidade, destacando a história e
as iniciativas em curso atualmente.
Berbela mostra uma de suas criações, um violino. |
Os materiais
para suas obras ficam em uma caixa metálica, sua "maior
preciosidade", na qual se encontram pregos, molas e outras pequenas
sucatas que, sem molde, Berbela vai criando "da sua cabeça". Em
apenas dois dias, peças desgastadas e enferrujadas ganham vida e até música em
um personalizado violino.
Enquanto algumas
engenhocas são feitas para encomenda, outras Berbela faz para si mesmo, como as
mesas montadas apenas com pequenas peças de motos, que ele terminantemente se
recusa a vender.
Além de Berbela,
outro artista chama atenção.
Uma das melhores traduções de toda a efervescência artistica de Paraisopólis é a Casa de Pedra, uma residência decorada no melhor estilo arte nova. O dono, Estevão Conceição, de 56 anos, despretensiosamente traz para a casa objetos que encontra em bazares, para o desgosto de sua esposa Edilene, que entre risadas conta que já não aguenta mais ouvi-lo dizer que vai a um bazar. Apesar disso, ela não deixa de apoiar a arte do marido, que já foi comparada ao trabalho de ninguém mais, ninguém menos que Antoní Gaudi, famoso arquiteto catelão, que Estevão já teve o prazer de conhecer.
Uma das melhores traduções de toda a efervescência artistica de Paraisopólis é a Casa de Pedra, uma residência decorada no melhor estilo arte nova. O dono, Estevão Conceição, de 56 anos, despretensiosamente traz para a casa objetos que encontra em bazares, para o desgosto de sua esposa Edilene, que entre risadas conta que já não aguenta mais ouvi-lo dizer que vai a um bazar. Apesar disso, ela não deixa de apoiar a arte do marido, que já foi comparada ao trabalho de ninguém mais, ninguém menos que Antoní Gaudi, famoso arquiteto catelão, que Estevão já teve o prazer de conhecer.
Primeiro prato que Estevão colocou em sua casa. |
Mas, apesar das
alegrias, a casa também já rendeu problemas à Estevão. Ele revela que já levou
calote de um editor que publicou um livro sobre sua vida. Na época, o autor
havia prometido cinco por cento dos lucros para o artista, que nunca viu esse
dinheiro chegar ao seu bolso.
A trapaça, no
entanto, não foi o suficiente para fazê-lo se desencantar por sua arte. Edilene
conta que “muitas pessoas que não precisam mais de objetos vem até o Estevão e
pedem para que ele compre delas” e ele sempre as ajuda, mesmo que isso
signifique um prejuízo às suas finanças.
E mesmo antes do
tour existir, muitas pessoas de diferentes nacionalidades já visitavam a obra
de arte que é essa casa. O diferencial é que agora o passeio idealizado pelo
presidente da União dos Moradores, Gilson Rodrigues, é responsável por repassar
o lucro das visitas para a Sede e os artistas. Para agendar o serviço, cada
interessado deve pagar R$150,00, que já atendeu, desde sua criação, 12.000
pessoas. Em média, por dia, dois visitantes percorrem vielas e ruas
movimentadas para reconhecerem uma realidade da qual, na maioria das vezes,
somente ouvem falar.
A transformação
da favela como atração para estrangeiros não é nova. Dos morros aos becos, do
Rio de Janeiro à São Paulo, a prática do slumming, a de conhecer as
áreas pobres da cidade, ocorre desde os tempos vitorianos. O que mudou é que,
atualmente, o voyeurismo de estranhos se tornou uma atividade lucrativa
para a comunidade.
Muitos defendem
que o turismo nas favelas é eficaz para valorizar as iniciativas culturais e
desmitificar a noção que muitos possuem sobre as comunidades mais pobres.
Outros, inclusive moradores de Paraisópolis, contestam e afirmam que a prática
somente seria benéfica se fosse revertida para prover educação aos moradores da
favela.
Polêmicas à
parte, o tour também conta com uma visita ao projeto Ballet Paraisópolis, que
está comemorando 5 anos de existência. A iniciativa atende crianças de 8 a 15
anos e, como todos os outros projetos da região, é necessário que a criança
esteja estudando para participar.
O processo
seletivo acontece pelo menos uma vez por mês e nele se leva mais em conta a
capacidade e talento do candidato, do que sua desenvoltura propriamente dita.
Meninos, por mais surpreendente que isto ainda soe, também participam das aulas
e das apresentações. Fiama do Nascimento, uma das guias oficiais do tour,
revela a história de um garoto que era discriminado por seus colegas por ser um
dançarino. Ele, um dia, como conta Fiama “resolveu desafiar o colega para ir
até lá e fazer o que ele fazia.” Hoje, os dois garotos participam do programa.
Nova sala de ballet da comunidade. |
Tratado como
paraíso pelos estrangeiros que a visitam, para Paraisópolis, esse conceito do
turismo não é nova. Sabáh Aoun, professora de turismo da USP, explica que a
noção paradisíaca é comercializada não por uma de “estado perfeito e
harmonioso, mas sim o jardim das delícias, feitos na medida e ao gosto de
qualquer pessoa disposta a aventurar-se, a romper com seu cotidiano.” Esse um
dos atrativos que perpassam pela casa feita de garrafas pets do Antenor
Clodoaldo e é a mesma retratada nas telinhas através das famosas novelas da
rede de TV da Globo.
Entretanto, fica
nítido que muitos dos projetos precisam do apoio, tanto público quanto privado,
para saírem do papel e crescerem. De uma pequena sala na Sede da União dos
Moradores, o Ballet de Paraisópolis ganhou um prédio de dois andares com mais
espaço para as aulas e para a crescente turma de meninas e meninos da
comunidade.
Mas, nem sempre
esse apoio ocorre, como no caso de Berbela, que tinha planos de passar a sua
arte para frente. Ele visa ensinar as crianças de Paraisópolis a criar as suas
próprias obras, na que seria chamada a Oficina do Berbela. O problema,
porém, é a falta de espaço. O local escolhido para o projeto foi negado pela
prefeitura e, com essa decepção, Berbela pensa até em voltar para Pernambuco,
onde nasceu. Mas, enquanto não se decide, vai continuar fazendo sua arte ou,
melhor, "sua terapia", como ele se refere à prática.
E arte-terapia é
o que Paraisópolis tem de melhor a oferecer.
Muito bom!
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