Eis que surge a luz no fim
do túnel, trazendo consigo um tal de Luís Vaz de Camões, mestre absoluto na
arte de narrar viagens. Nas paredes da estação Vila Madalena, última parada da
linha verde do metrô, até a escuridão do buraco não resiste ao brilhantismo dos
versos de grandes poetas da língua portuguesa estampados no concreto.
E é bebendo da mesma água
aventureira de Camões que iniciamos nosso percurso pelas ladeiras da Vila
Madalena, um dos bairros mais boêmios e alternativos de São Paulo. A região é
um marco por si só desde os anos 70, quando estudantes passaram a morar lá. A
“Vila Madá”, como é carinhosamente apelidada por seus moradores, é um respiro
no meio da selva de pedra. Suas ruas– Harmonia, Girassol, Purpurina- remetem a
ideia de paz, seus muros servem de brinquedo para grafiteiros de todos os
cantos e seus famosos barzinhos, abertos e despretensiosos, são um convite para
aqueles que passam por suas calçadas carregando o peso de se viver em uma
cidade grande.
Caminhando pela rua
Harmonia, assim batizada, segundo alguns historiadores, por sugestão de jovens
do movimento anarquista que tinham como objetivo quebrar a tradição urbana de
homenagear autoridades públicas, chegamos ao edifício Bordeaux Biarripv.
Localizado no centro da badalação e do agito, o prédio por si só conta com
diversas opções de lazer, como parquinho para crianças, sala de ginástica e
sauna. Atrativos que, para muitos moradores, interessam mais do que noitadas,
ao contrário do que aponta o senso comum de que a Vila se resumiria à boêmia e
diversão.
Natália Iritso, moradora do
prédio, afirma que, apesar de estar na casa dos 20 anos, não gosta de
frequentar bares e baladas. “Não gosto desse tipo de ambiente, mas não tenho
problemas com o barulho. Talvez os andares mais baixos tenham, mas eu não”.
Porém, ela ressalta que há aspectos negativos em morar em um bairro voltado
para o público de classe média. “As coisas aqui são muito caras. Você não
consegue sair na sua rua sem levar, pelo menos, trinta reais na carteira. Isso
restringe o acesso das pessoas.” Os altos custos do comércio nada mais são do
que um reflexo da valorização que os imóveis do bairro têm sofrido nos últimos
anos. Segundo o Portal ZO Imóvel, o preço do metro quadrado na Vila pode chagar
a R$8,5 mil, um dos mais altos da cidade. Percorrendo a região, prédios em
construção e imobiliárias não faltam. Natália explica que ainda é um bairro
recente atraindo novos moradores. “O bom daqui é que é bem arborizado e perto
de tudo”. Segundo dados da sub-prefeitura de Pinheiros, a Vila Madalena conta,
hoje, com mais de 50 mil habitantes.
Outra característica que
chama atenção ao andar pelas ruas durante a semana, é a grande quantidade de babás,
pessoas passeando com cachorros e outras cenas que remotam ao perfil familiar
dos moradores. Uma empregada doméstica que não quis se identificar, diz não ter
o que reclamar do bairro. “Tudo é muito bom por aqui. O transporte funciona,
posso andar nas ruas...”.
Creche Lar do Alvorecer Cristão. |
Em uma rua tranquila, uma
casa simples com uma placa pichada avisa ser ali a creche municipal Lar do
Alvorecer Cristão. É lá onde sua filha fica das 7h às 5h, quando a mãe,
voltando do trabalho, passa para buscá-la e levá-la de ônibus para casa -
rotina que, como pudemos observar, se aplica a maior parte dos pais da creche.
Além disso, o bairro tem
sua parte mais agitada com eventos anuais famosos, como a tradicional “Feira da
Vila Madalena” e o bloco de carnaval. E isso às vezes pode atrapalhar o
ambiente familiar da Vila e os negócios. “O único problema de trabalhar na Vila
é o carnaval. Temos que fechar a loja nessa época. Antes, muitas pessoas
entravam aqui para usar o banheiro. Não podemos deixar, o banheiro é para uso
dos clientes”, diz Renata Yaushova, gerente da padaria “Le Pain Quotidien”, na
Rua Wizard, há três anos.
Apesar dos muitos
estabelecimentos voltados para a vida noturna, essa loja é mais calma. “A
padaria recebe mais famílias. É uma clientela tranquila. A badalação, os
jovens, ficam mais pra lá (referindo-se as ruas à direita)”.
E bem diferente do que
muitos podem esperar da Vila Madalena, durante a semana ela diz que a padaria
se torna um escritório para muitos clientes, que ficam longas horas com seus
computadores plugados enquanto apreciam os deliciosos quitutes e aproveitam do
ambiente calmo que a padaria oferece. Quando perguntamos o que mais gosta dessa
região, Renata respondeu animada. “Para mim, a Vila é perfeita. As ruas são
tranquilas, tem bastante comércio. Não temos problemas
com o barulho”, e sonha em um dia morar no bairro.
O oposto de Nádia, que
trabalha como doméstica em um dos apartamentos localizados na região e tem uma
relação diferente com o bairro. “É um lugar muito perigoso. Não dá para sair
com bolsa depois das cinco horas”.
Amando ou temendo, a Vila
Madalena continuará sendo a definição de um moderno que continuará eterno na
vida de todos os moradores, freqüentadores ou trabalhadores. Sejam eles apreciadores
da vida agitada ou de uma vida mais calma na querida “Madá”.
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